C A T Á L O G O / B I O G R A F I A S

Nem caberiam as palavras amigos e reencontro. Passados mais de cinqüenta anos daquele fim de tarde em que nos vimos pela primeira vez, me ocorreu que a palavra amigo se indefine e se apequena diante de nossa quase irmandade, imantada por uma fraternidade com forte viés ideológico. E nem é reencontro o que está ocorrendo agora: vejo-o quase sempre, talvez sem a freqüência que tanto abasteceria as coisas que faço ou penso – e cabe dizer que nem ele, presumo, sabe de sua importância em minha vida. Feito aqueles velhos tonéis que preservam bebidas raras, fomos urdidos na mesma têmpera, temos igual textura de pensamentos – e aí defino melhor meu sentimento: nele admiro o educador e o homem desprovido de mesquinharias, desses que não só divide com o aluno aquilo que sabe, como trata de tocá-lo adiante na vida, sem jamais vê-lo como um futuro competidor. Essa generosidade me fascina, pelo horror que tenho à vaidade, prima próxima da arrogância, próprias daqueles que não passam adiante o aprendido e o apreendido. O saber é árvore que vai se plantando aqui e ali. “Pensar certo é fazer certo”, já nos ensinava Paulo Freire – e Turibio segue essas pegadas, e as de tantos outros educadores que não se acomodaram aos vícios burocráticos da prática educativa.

E aqui estou, agora, em seu apartamento, folheando seus álbuns e com ele coletando histórias para uma fotobiografia. É tarefa-projeto que, parte dela, foi a mim sensivelmente encomendada pelo querido parceiro oacyr Luz. Reeencontrar Turibio é uma forma de revisitar minha própria vida: lá está o primeiro álbum de sua carreira, organizado por mim. Primeiro de uma série infinita de outros álbuns, onde o flagramos de passaporte na mão e o violão metaforicamente debaixo do braço, como naquele samba famoso do Zé Keti. E aí, cidadão do mundo, cumpre uma carreira internacional que nos tira o fôlego acompanhá-la através desses álbuns, que registram concertos nas mais importantes salas de todo o mundo, tocando e gravando dezenas de discos, às vezes ao lado de figuras míticas da música – como constataremos ao folhear esta fotobiografia. Esta visita a sua casa-apartamento, remeteu-me, sem querer, a duas outras que, em tempos distantes, fiz a Villa-Lobos e Radamés Gnattali e, sim! a Tom Jobim, quando ele ainda não se celebrizara. Em comum, a ausência absoluta de qualquer ostentação. Tudo isso faz-me sentir uma pessoa especial, engrandecendo a palavra amigo que, antes, se apequenara: a de tê-lo também como afilhado de casamento, como fôra Cartola.

Não quero me estender mais, porque pretendo dividir com ele este texto: que ele fique sabendo que, igual aos seus companheiros de bar ou nas salas de aula, onde exalta a vida sem perder de vista sua responsabilidade social, eu me sinto extremamente pequeno para explicar, resumidamente, como admiro sua, por vezes, desconcertante franqueza, a absoluta integridade – herança de pais maravilhosos – sua capacidade de entrega nesse lidar com a vida e suas cruezas, de não carregar de hipocrisia seus gestos e palavras. Turibio optou pela generosidade, ao compreender que a educação é uma forma de intervir no mundo – e o seu mundo ele o administra como concertista e educador que pensa humanamente a música, que a trata como um bem ecológico – ele e as árvores que plantou, e cujas raízes estão aí visíveis no chão e paredes de um museu que estava predestinado a dirigi-lo e torná-lo ainda maior. Isso é uma outra e longa história. História, enfim, que peço ao amigo para, agora, contar.

Hermínio Bello de Carvalho